O mundo da música perdeu nesta segunda-feira (24) um de seus maiores embaixadores da alma jamaicana: Jimmy Cliff, o pioneiro do reggae que levou os ritmos quentes da Jamaica para palcos globais, faleceu aos 81 anos. A notícia foi confirmada por sua esposa, Latifa Chambers, em uma postagem emocionante no Instagram oficial do cantor. "É com profunda tristeza que compartilho que meu marido, Jimmy Cliff, nos deixou devido a uma convulsão seguida de pneumonia. Sou grata pela família, amigos, artistas e colegas que compartilharam sua jornada com ele", escreveu Latifa, assinada também pelos filhos Lilty e Aken. "Jimmy, meu querido, que descanse em paz. Seguirei seus desejos."
Nascido James Chambers em 30 de abril de 1944, em Somerton, na paróquia de St. James, na Jamaica, Cliff veio ao mundo em meio a um furacão devastador que destruiu a casa de sua família – um prenúncio dramático de uma vida marcada por tempestades e triunfos. Segundo o menor de nove irmãos, ele cresceu em meio à pobreza, cantando no coral da igreja local e sonhando com as montanhas que escalavam na infância. Aos 14 anos, mudou-se para Kingston com o pai e atualizou o nome artístico "Cliff", uma referência aos penhascos que tanto admirava, simbolizando as alturas que pretendia alcançar na música.
Uma Trajetória de Pioneirismo e Rebeldia
A carreira de Jimmy Cliff começou precocemente e com ousadia. Ainda adolescente, ele abandonou os estudos para se dedicar à música, participando de concursos de talentos e convencendo o produtor Leslie Kong, dono de uma loja de discos em Kingston, a gravar suas primeiras faixas. Seu single de estreia, "I'm Sorry" (1960), não fez sucesso, mas o hit "Hurricane Hattie" (1962), inspirado no furacão de seu nascimento, explodiu nas rádios jamaicanas e o transformou em uma sensação local aos 17 anos.
Cliff navegou pelas evoluções do ska, rocksteady e reggae, incorporando influências de soul e R&B. Em 1964, representava a Jamaica na Feira Mundial de Nova Iorque, consolidando a sua presença internacional. Dois anos depois, assinou com a Island Records, de Chris Blackwell (futuro mentor de Bob Marley), e mudou-se para Londres. Seu álbum de estreia internacional, *Hard Road to Travel* (1967), recebeu elogios, mas foi "Wonderful World, Beautiful People" (1969) que o catapultou para o estrelato global, com sua mensagem otimista de unidade e paz. Bob Dylan chegou a chamar sua faixa "Vietnam" (1970), um hino anti-guerra, de "a melhor canção de protesto que já ouvi".
O ponto alto veio em 1972 com o filme *The Harder They Come*, dirigido por Perry Henzell, onde Cliff estrelava como Ivan, um cantor pobre que vira fora da lei em Kingston – uma narrativa semi-autobiográfica que misturava improvisos de sua própria vida. O longa, um clássico cult, impediu os discos de bilheteria na Jamaica e popularizou o reggae no mundo todo. A trilha sonora, com sucessos como "You Can Get It If You Really Want", "Many Rivers to Cross" e a faixa-título, vendeu milhões e pavimentou o caminho para Marley e outros. “Jimmy Cliff contornou nossa história com honestidade e alma”, lamentou o primeiro-ministro jamaicano Andrew Holness em um tributo no X (antigo Twitter).
Ao longo de sete décadas, Cliff gravou mais de 30 álbuns, colaborando com gigantes como The Rolling Stones, Paul Simon e Bruce Springsteen (que gravou covers de suas canções). Ele ganhou dois Grammys: um de Melhor Gravação de Reggae por *Cliff Hanger* (1986) e outro de Melhor Álbum de Reggae por *Rebirth* (2013). Em 2010, foi induzido ao Rock and Roll Hall of Fame como um dos cinco pioneiros do reggae, ao lado de Marley, ao que Wyclef Jean disse: "Quando víamos Jimmy Cliff, víamos a nós mesmos – uma aspiração para a diáspora".
Explorador espiritual, Cliff atualizou a Ilha nos anos 1970 (assumindo o nome Na'im Bashir por um tempo) e passou pela África e Brasil, misturando ritmos globais em seu som. Seus shows eram festas multigeracionais, com bandas que eram de percussionistas africanos a revivalistas punk-ska. Sua voz suave e mensagens de esperança – contra a opressão, pela unidade – ecoaram em protestos, como quando "You Can Get It If You Really Want" virou hino da campanha sandinista na Nicarágua em 1990.
A Paixão Pelo Brasil: De "Cachoeira" a Parcerias Eternas
O Brasil ocupou um lugar especial na vida e na obra de Jimmy Cliff, uma conexão que começou em 1968 e durou décadas. Sua primeira visita ao país foi para o III Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro, onde apresentou "Waterfall" (cover de uma faixa da banda britânica Nirvana). O sucesso foi imediato: a música venceu o festival e se tornou um hit nas rádios brasileiras, revitalizando sua carreira em um momento de dúvida. Encantado com o país – que ele comparou a Kingston pela diversidade étnica e vitalidade cultural –, Cliff ficou mais tempo e gravou o álbum *Jimmy Cliff in Brazil* (1968), com versões em inglês de clássicos da bossa nova como "Andança" (dos MPB4), ao lado de faixas de *Hard Road to Travel*. A capa do disco, com ele na Praia de Botafogo, tornou-se icônica.
A década de 1980 trouxe parcerias inesquecíveis. Em 1980, Cliff fez turnê com Gilberto Gil pelas cinco capitais brasileiras, lotando arenas com shows que misturavam reggae e MPB. No Recife, por exemplo, eles se apresentaram no Geraldão, na Zona Sul, em 28 de maio daquele ano – uma noite completa que uniu gerações. "Gil e eu queríamos a visão de uma música sem fronteiras", gravou Cliff em entrevistas. A dupla gravou juntos, e Gil prestou homenagem ao amigo após a morte: "Jimmy era um irmão de alma, um gigante que nos ensinou a sonhar alto".
Cliff voltou ao Brasil inúmeras vezes: em 1991, incendiou o Rock in Rio II, no Maracanã, com um set que incluía "The Harder They Come" e covers brasileiros. Colaborou com Margareth Menezes, Olodum, Cidade Negra e Titãs – este último encontro "Querem Meu Sangue", versão em português de "The Harder They Come". Nos anos 1990 e 2000, ele se apresentou em festivais como o Free Jazz e a Nação Cultural Pernambucana, sempre incorporando samba e ritmos locais em seu "reggae de arena". Sua filha Lilty, nascida no Brasil de um relacionamento com uma baiana, cresceu em Salvador e se descreve como "mais brasileira que jamaicana". “Eles se conheceram em uma cerimônia de ayahuasca na praia”, contou ela em uma entrevista recente.
O Brasil, para Cliff, era mais que um palco: era inspiração. "Aqui, sinto a mesma rebeldia e alegria da Jamaica", disse ele em 2013, durante a divulgação de *Rebirth*. Sua música influenciou gerações de artistas brasileiros, do reggaeroots ao manguebeat.
Um Legado que Ecoa para Sempre
Jimmy Cliff deixa um vazio, mas seu legado é imortal. De sucessos como "I Can See Clearly Now" (cover de Johnny Nash, imortalizado em *Cool Runnings*) e papéis em filmes como *Club Paradise* (1986) e *Marked for Death* (1990), ele foi ator, ativista e embaixador. Sua música, com mais de 500 composições, continua a subir em rádios, sistemas de som e corações pela perda.
O primeiro-ministro Holness chamou de "gigante cultural que levou o coração da Jamaica ao mundo". Fãs no X e Instagram já possuem tributos, com hashtags como #RIPJimmyCliff e #ReggaeLegend. No Brasil, onde ele se sente em casa, artistas como Gil e Menezes prometem homenagens em shows futuros.
Jimmy Cliff escalou seus penhascos e chegou ao topo. Agora, descanse em paz, mas sua voz – suave, rebelde e esperançosa – continue a atravessar muitos rios.
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